Ele ainda não tinha dado o primeiro gole, continuava ali a dar voltas e voltas com a colhar na caneca, se continuasse a fazer aquilo por muito mais tempo acho que até a furava. Mas a Sofia apareceu, apareceu ensonada, despenteada, com a cara por lavar, com cara de mau-humor matinal. Não disse nada, preparou o seu pequeno-almoço, comeu. Isso que até o incentivou a fazer o mesmo. Só no fim de comer disse:
- Bom dia!
- Bom dia! – respondeu Mariana.
- Que fazes aqui tão cedo?
- Precisamos de falar – respondeu.
Aquele ar dele. Preocupado, carrancudo. Aquele tom de voz. Aquela preocupação visível nos olhos dele. Ela conhecia-o e tudo aquilo lhe parecia estranho (…)
- Não vem aí coisa boa – disse sussurrando - respondes-te muito rápido. Mãe, importas-te se formos para o meu quarto?!
- Não, vão lá. – Ela estava também preocupada. Enquanto fizera o pequeno-almoço mil e uma hipóteses do que se devia tanta preocupação lhe surgiram pela cabeça, mas depois de algum estudo, nenhuma lhe parecera plausível.
(no quarto)
Sentaram-se os dois na cama, depois de ela ter ajeitado os lençóis. Ele estava a mexer as mãos, não parava de roer as unhas, e ajeitar as peles, depois estalava os dedos, ele estava mesmo muito nervoso… Ela não sabia o que havia de fazer, mexia no cabelo à espera que ele disse-se alguma coisa… Aquele silêncio era insuportável, e estranho até. Eles nunca tinham ficado assim, sem tema de conversa. A primeira e única vez que isso acontecera foi no primeiro encontro, naquele em que ela deixara cair os livros todos, e ele cuidadosamente a ajudou, aí ficaram sem saber o que dizer. Ficaram encantados pela beleza um do outro, e não o queriam admitir. Mas ali era diferente, ele simplesmente não desembuchava, e ela começava a ficar nervosa. As suposições dela passaram desde “apaixonei-me por outra pessoa!” a “comprei um cão!”, até que ele se lembrou de dizer alguma coisa.
- Bem eu tenho uma coisa para te dizer.
(silêncio)
- Sim, até aí eu já percebi. Queres-me dizer o quê? – disse, em tom de brincadeira, tentando acalmar aquele ambiente.
- Eu… eu… eu não sei por onde começar.
- Aceitas sugestões? Pelo início acho que é um bom começo.
Ele levantou-se, e dirigiu-se à janela. Agora a precupação dela era ainda maior. Ele não estava mesmo nada bem. Havia ali alguma coisa que o atormentava. Ela então levantou-se e abraçou-o, abraçou-o com tanta força que ele sorriu, por poucos instantes mas sorriu. Quando ela o largou, eles olharam-se nos olhos. Ela viu que todas aquelas suposições dela estavam erradas. Eles ainda se amavam, a ainda haviam de se amar durante muitos anos.
Ele finalmente ganhara coragem e começara exactamente, por aquele sítio mágico “o início”.
- O meu pai, bem, tecnicamente ele tinha acabado as suas viagens de trabalho, até porque está a ficar um bocado velho de mais para aquilo.
Sim, até ali nada de mais. Era muito normal, o pai dele era simplesmente um lutador, e não iria desistir daquilo, do seu trabalho de longos anos, da vida toda (acho que até se podia dizer assim), assim tão facilmente.
- Sim, e… - disse, mostrando impaciência.
- Mas, agora surgiu uma viagem muito boa, “muito produtiva uma proposta imperdível”, como ele disse.
- Sim, e depois? Não é a primeira, e acho que não será a última, o teu pai é casmurro.
- Pois, a má notícia está no seguinte: a viagem demoraria dois anos, porque é em vários estados, dos Estados Unidos, e depois volta para a Europa, e ele quer que vá com ele.
A face dela ficou sem expressão definível, ele voltou-se para a janela e chorava. Ambos sofriam com aquela má notícia. O mundo como que desabou e eles, ambos, só não conseguiam suportar aquilo. (…)